Qualitativamente diferente da tirania é a experiência contemporânea do totalitarismo, como se manifestou no estalinismo, no nazismo e no maoísmo, apesar de alguns antecedentes históricos, como a ditadura teocrática de Calvino, o modelo inquisitorial da Contra-Reforma, a república dos santos de Cromwell ou o terrorismo jacobino. Segundo Carl J. Friedrich e Zbigniew Brzezinski, o totalitarismo teria seis grandes características: -uma ideologia oficial entendida como corpo de doutrina que abrange todos os aspectos vitais da existência humana, À qual todos os que vivem nessa sociedade deve aderir, pelo menos, passivamente
-um único partido de massas dirigido tipicamente por um homem e que é organizado hierarquicamente e de forma oligárquica, acima ou totalmente ligado à organização burocrática do governo
- a existência de um sistema de controlo policial terrorista que é dirigido não só contra inimigos declarados, mas também arbitrariamente para certas classes da população, com uma polícia secreta que utiliza a psicologia científica;
-os meios de comunicação de massa estão sob monopólio quase completo
- a existência de situação idêntica no que diz respeito aos meios armados
- controlo e direcção central de toda a economia. Mais recentemente Giovanni Sartori, veio utilizar outro modelo para a conceitualização do totalitarismo, fazendo nele imbricar as degenerescências do autoritarismo e da ditadura. Utilizando cada uma das três categorias como modelos abstractos, marcados por determinadas características, vem considerar que na realidade, os diversos regimes degenerados vão pontuando, segundo vários critérios, numa de três tipologias - totalitarismo (t), autoritarismo (a) e ditadura simples (d), conforme os critérios da ideologia, da penetração do Estado na sociedade civil, da coerção, da independência dos subgrupos dentro do Estado em causa, as políticas face a outros Estados, da arbitrariedade do poder, do centralismo do partido.. Quanto à ideologia, ela pode ser forte e totalística (t), não totalística (a) e irrelevante ou fraca (d). A penetração do Estado na sociedade civil pode ser extensiva (t), modesta (a) ou nenhuma (d). A coerção pode ser alta (t), média (a) ou média baixa (d). A independência dos subgrupos pode ser nenhuma (t), limitada a grupos políticos (a) ou permitida com excepções (d). As políticas face a outros grupos estaudais pode ser destrutiva (t), exclusivista (a) ou errática (d). A arbitrariedade pode ser ilimitada (t), dentro de limites prévios (a) ou errática (d). O centralismo do partido pode ser essencial (t), útil (a) ou mínimo ou nenhum (d). Segundo o critério da ideologia, entendida como um sistema de crenças idêntico ao de uma religião, uma interpretação substantiva do mundo ou uma simples forma mentis, a gradação passaria por um crescendo. Quanto à penetração do Estado (aparelho de poder) na sociedade civil, o totalitarismo seria aquele regime que destrói a separação entre o público e o privado. Já não estaríamos perante o L'État c'est moi, do despotismo esclarecido, mas antes naquilo que Trotski disse de Estaline: La Societé c'est moi.
Mussolini, por exemplo, apesar de ter proclamado o tudo no Estado, nada fora do Estado, não passou da retórica, dado que na Itália fascista continuaram a florescer vários nichos de autonomia da sociedade civil..
O totalitarismo assumir-se-ia sempre como uma negação de uma concepção pluralista da sociedade. Seria, pelo menos, a destruição da crença no valor do pluralismo.
Já quanto ao critério da coerção ou mobilização, Sartori refere que a capacidade de mobilização tanto pode resultar da densidade organizacional como do fervor ideológico, sublinhando que a concentração do poder (isto é, a não separação dos poderes) não pode ser confundida com a respectiva centralização, da mesma forma como um sistema monista não tem que ser monolítico.
A este respeito, se C. J. Friedrich colocava como um dos elemento definidores do totalitarismo, um sistema policial terrorista (terrorist police system), já Sartori considera que o terror é contingente num sistema totalitário, não sendo uma característica necessária, porque quando o controlo totalitário entrou na rotina, o terror tornou-se supérfluo.
Quanto ao critério da arbitrariedade, Sartori define-o como o exacto contrário da rule of law, do Estado de Direito.
Aceitando o essencial desta perspectiva, acrescentaremos que são possíveis três concepções de totalidade política e, consequentemente três modelos de totalitarismo.
No Estado fascista e, em certo sentido, no absolutismo, é o Estado, qua tale, que domina e forma a sociedade, suprimindo a liberdade desta;
No Estado soviético, surge o Estado-Partido, primeiro, com Lenine, onde temos um partido totalitário visando a reconstrução total da sociedade, depois, com Estaline, com um Estado totalitário que subordinou totalmente a sociedade, e, finalmente, com Brejnev, onde surge um Estado totalmente estagnado, dominado por um partido totalitário corrupto.
Num terceiro modelo, como foi praticado pelo nazismo, o Estado e a Sociedade já se reúnem numa unidade nova, através de uma espécie de terceira força: o povo político formando um todo, através de um movimento que transforma o Estado num simples aparelho administrativo.
Foi com o modelo fascista de Benito Mussolini, que em 1925 se assumiu o lema do nada fora do Estado, acima do Estado, contra o Estado. Tudo no Estado, dentro do Estado, ao mesmo tempo que se tentava substituir à velha tríade da revolução francesa, da liberté, égalité, fraternité, pela fascista trindade de autoridade, ordem, justiça.
O próprio Mussolini, no artigo Fascismo, publicado em 1929, e rescrito por Giovanni Gentile, na Enciclopedia Italiana, definia o respectivo Estado como stato totalitario, proclamando: pode pensar‑se que o século actual é o século da autoridade, um século de 'direita', um século fascista; e que se o século XIX foi o século do indivíduo (liberalismo significava individualismo), podemos pensar que o século actual é o século 'colectivo' e, por consequência, o século do Estado. Três anos depois, em La Dottrina del Fascismo, já considerava que para o fascista, tudo está no Estado e nada de humano e espiritual existe, e muito menos tem valor, fora do Estado. Neste sentido, o fascismo é totalitário e o Estado fascista, síntese e unidade de todos os valores, interpreta, desenvolve e potencia toda a vida do povo. O fascismo, com efeito, sublimou o Estado, transformando‑o num fim em si mesmo. Como dizia Sergio Panunzio, um dos seus doutrinadores, tal como a matéria tende para a forma, a sociedade tende para o Estado.
Já o nacional‑socialismo alemão vai desvalorizar o ideia de Estado, considerando-o como simples aparelho (Apparat) ao serviço da comunidade do povo (Volksgemeinschaft). Como salientava Adolf Hitler em Mein Kampf, de 1924, o Estado não passa de simples forma cujo conteúdo é a raça: o Estado é um meio de atingir um fim. Deve manter, em primeiro lugar, os caracteres essenciais da raça. Segundo as palavras de Pierre Birnbaum, Hitler opôs-se à concepção hegeliana do Estado como instrumento da razão universalista ou ainda da teoria weberiana do poder racional‑legal, que se aplicam, tanto uma como a outra, muito particularmente, ao Estado prussiano fortemente burocratizado, fazendo sua uma perspectiva anti‑estatista e desejando confiar a uma elite o cuidado de realizar a união da raça. Não se estranhe, pois, que alguns teóricos nazis cheguem a considerar o mesmo Estado como mero produto do direito romano, criticando particularmente a noção de personalidade do Estado, considerada como resultante de uma concepção jurídica individualista, apenas baseada em relações meramente interpessoais.
Alfred Rosenberg, o célebre autor de Der Mythus des zwanzigsten Jahrhunderts, de 1930, por exemplo, assinalava que o Estado já não é, hoje, para nós um ídolo que se baste a si mesmo e perante o qual todos nos devemos prostrar; o Estado também não é um fim, é apenas meio para a conservação étnica. Um meio como os outros, como deveriam sê‑lo a Igreja, o Direito, a Arte, a Ciência. As formas do Estado mudam e as leis passam, mas o povo permanece. Donde resulta que a Nação é o princípio e o fim perante o qual tudo o resto deve vergar‑se.
Outros autores, como Reinhard Höhn, em Volk und Verfassung, chegam mesmo a propor que o nazismo dispense a própria noção de Estado, dado que para a construção do novo direito público alemão seriam suficientes os conceitos de povo (Volk) e de condutor (Führer).
Não obstante esta doutrina não se ter tornado dominante entre os juristas nazis, o facto é que o movimento fez sempre uma clara distinção entre o Estado-Aparelho(Staat) e o Estado‑Comunidade (Reich), desvalorizando particularmente o primeiro. Como ensina Burdeau, o Estado deixou de ser o titular do poder político e a doutrina levou ao desaparecimento do Estado como construção constitucional.
Do mesmo modo, se alterou o clássico conceito de governo, que deixou de ser um regierung, passando a entender-se führing, emanando directa e organicamente da própria comunidade. Daí o Führer ser entendido, não como órgão do Estado, mas como representante directo da nação, não como mandatário mas como o próprio poder incarnado.
O Estado Aparelho, entendido como um conjunto de meios técnicos, pessoais e materiais ao serviço de um interesse geral que ele já não determina, como assinala Georges Burdeau, passou a estar nas mãos do führer para, como assinala Höhn servir a Volksgemeinschaft, por um lado, para preencher certas funções nacionais (ordem, segurança interior, defesa nacional) e, por outro, como instrumento para a educação do povo no espírito da Volksgemeinschaft. Nestes termos, o Estado já não tem a qualidade de uma pessoa moral à qual o particular deve obediência... A base do novo pensamento jurídico é a ideia de comunidade do povo. O Estado não é senão um instrumento para realizar os fins da mesma.
Os direitos do Estado passaram, pois, a ser considerados como um mito demoliberal e a fonte de todo o poder a estar nessa vaga entidade chamada volk, marcada por uma concepção quase mística, cujo espírito se incarnava na subjectivíssima vontade do führer.
Também Hitler no Mein Kampf considerava que o objectivo do Estado reside na conservação e desenvolvimento de uma comunidade de seres vivos da mesma espécie, física e mentalmente e que os Estados que não correspondem a essa finalidade são fracassos, impondo‑se, portanto, a defesa da alma racial (Rassenseele).
Hitler refere que o fim supremo do Estado racista deve ser o de procurar a conservação dos representantes da raça primitiva, criadores da civilização, que fazem a beleza e o valor moral de uma humanidade superior. Nós, enquanto arianos, não podemos representar um Estado senão como organismo vivo que constitui um povo, organismo que não apenas assegura a existência desse povo, como ainda , desenvolvendo as suas faculdades morais e intelectuais, o faz atingir o mais alto grau de liberdade.
O Estado não tem outro papel senão o de tornar possível o livre desenvolvimento do povo, graças ao poder orgânico da sua existência.
Paradoxalmente tem uma concepção feita à imagem e à contraposição daquilo que ele considera a concepção judaica do Estado: o Estado judeu nunca foi delimitado no espaço; expandindo‑se sem limites no universo, compreende exclusivamente os membros de uma mesma raça. É por isto que este povo formou em todo o lado um Estado no Estado, até porque a religião de Moisés não é senão a doutrina de conservação da raça judaica.
Assim, Hitler também considera que o Estado é um organismo racial e não uma organização económica onde o instinto de conservação da espécie é a primeira causa da formação de comunidades humanas, pelo que acredita que nunca nenhum Estado foi fundado pela economia pacífica, mas sempre o foi pelo instinto de conservação da raça, tanto o heroísmo ariano gerando Estados marcados pelo trabalho e pela cultura, como a intriga geradora das colónias parasitas de judeus