terça-feira, novembro 25, 2008

A passarada começa a chilrear depois da tempestade.Os galos despertam todos os quintais. As rolas, aqui e além, compõem a harmonia.


cordo, depois de muito trabalho e de poucas horas de sono, depois de meditada reflexão sobre exercícios de avaliação de alunos de uma bela licenciatura em direito, lançada pela cooperação da universidade portuguesa, com o esforço de muita gente, representada pelo Professor Doutor Pedro Bacelar de Vasconcelos. Fico feliz com os resultados do diálogo de culturas e de civilizações, com o comparativismo, com a análise complexa das situações de violência estrutural da colonização, da ocupação militar, do violento despertar da institucionalização dos conflitos pela via partidária, do lançamento do Estado de Direito... A esperança pode vir dos próprios desesperados. Converso nas arcadas da universidade com variados alunos, desde deputados da situação e da oposição, desde antigos candidatos a presidentes com actuais reitores e membros dos gabinestes ministerais, desde altos graduados das forças armadas a simples bombeiros, gente de todas as condições, de todas as línguas, de todas as formações, uns vindos de Lisboa, outros da Indonésia, outros da Austrália. Vale mais experimentá-lo do que julgá-lo, mas julguem-no todos os inspectores da cooperação e dos manuais de procedimentos que podem achar interessante umas férias no Hotel Timor, com saltos a Bali e às praias de Comoro. Hoje, em pleno desabar de uma forte chuvada tropical, viveu-se a inauguração da Casa da Europa, com o comissário Michel, bem como de alguns melhoramentos no hospital Guido Valadares. Barroso, aqui, deu, de certeza, o seu apoio. Nisto, não elaboro teorias, pratico e tento cumprir uma ideia que eu penso ser a de Portugal universal e pós-imperial, que é a que passa pelo abraço armilar da CPLP, aqui registado por Cinatti, Reis Thomaz, José Mattoso ou Rui Palma Carlos. Num ensinar e num aprender como em qualquer universidade do mundo, como as melhores onde já tenho feito exactamente o mesmo, da Clássica de Lisboa à Técnica também de Lisboa, da UNB de Brasília, à francesa de Estrasburgo. Leio e releio, o tal artigo-manifesto, tão bem construído por Pedro Rosa Mendes, assente numa opinião fundamentada, numa concepção coerente do mundo e da vida, escrito num tom de revolta que apenas expressa a angústia de alguém que ama esta ilha. É uma pedrada que pode despertar homens de boa vontade. Leio, infelizmente, imediatas reacções de puritanos analistas que vivem entre o tudo e o seu nada. Até sou capaz de prever que, dentro de dias, aí na metrópole, com reflexos condicionados neo-imperiais, haverá quem proponha o regresso do "white man's burden", super-demoliberal, à bela maneira da SDN, quando Kipling, o autor da frase, andava com os mesmos símbolos de Ramos Horta na camisa. Apenas conselho que passemos a uma fase superior de análise do problema timorense: vamos, como me escrevia um aluno que vou citar, ao âmago das coisas, vamos a uma abstracção mais elevada, mas que, ao mesmo tempo, sente os pés firmes na terra, na medida em que relacioan sempre o teórico com a prática concreta, ainda mais com a realidade que atravessamos e melhor ainda quando se dirige à conjuntura actual do nosso país. Até há por aí ex-maoístas como a Ana Gomes ou o Zé Manel Durão Barroso que bem precisam de dar uma ensabadoela de amor a Timor nalguns ocidentalizados mais à pressa da redacção de "O Grito do Povo". E há também uns padres e umas freirinhas aqui da ilha que têm de ir a Fátima para uma vela à divindade, para que fora da causa de Timor não fique um único Deus marginalizado... Para descanso de alguns editorialistas do ex-maoísmo, e agora fundamentalistas neoliberais, neo-utilitaristas e neoconservadores, os mesmos que, com esse gnosticismo vérmico, apoiaram Bush e a invasão do Iraque, seria melhor que não repetissem tretas que já ouvi, sobre esta metade de uma ilha, vindas fascistas folclóricos, cobardes e pica-subsídios, que apelavam ao desembarque de cortadores de cabeças, sem perceberem nada das almas de antepassados ou dos crocodilos que são avôs. Porque quase todos repetem o que disse Junot e o Maneta sobre os reaccionários e sebastianistas lusitanos dos começos do século XIX, ou os devoristas discursos parlamentares de Costa Cabral, a nossa tradução de Guizot em calão, sobre o povão da Patuleia e da Maria da Fonte, antes de Saldanha pedir a intervenção da comunidade internaciona,l para que se repusesse a civilização da Convenção do Gramido, isto é, os interesses de Espanha, da Grã-Bretanha e da França. Prefiro continuar a ler o Espectro e a refundar a Carbonária, contra o governador que vendeu parte destas ilhas à companhia de deve e haver lá dos Países Baixos. Julgo que, nestes domínios de timorologia, a história demoliberal portuguesa pouco deixou de orgulhosamente recordável cá pelo sol nascente, desde o tal governador que vendeu parte do estabelecimento, para cobertura do défice orçamental, ao abandono insolente e ignorante, concluído com a retirada para Ataúro, quando a tropa era um departamento de bombeiros incendiários, brincando a revoluções, guerra fria e "gritos do povo" sobre um nem mais um soldado para as colónias, para que morram apenas os coloniais, nestes jogos de guerra que aqui vamos propagar, para gozo de Pequim, Moscovo e Washington. Mesmo em demoliberalismos esotéricos, apenas se detecta uma loja Oceania, lá nos tempos da I República, um regime que aqui teve como principal governador Filomeno da Câmara, o dos fifis do pós-28 de Maio. Fica, contudo, de forma paradoxal, uma ideia de resistência contra os japoneses, com deportados anarquistas, tipo Carrascalão, e republicanos, tipo Cal Brandão ou tenente Pires, quando as tais sociedades secretas eram heróicas pela liberdade e correctas com a pátria, a quem cederam os simbolos da soberania no fim da guerra. Como leio num trabalho de um aluno: se perguntarmos à maioria dos timorenses dos distritos... que resistiu á invasão indonésia, porque hoje estamos independentes, as pessoas irão certamente atribuir o facto a Deus, aos ancestrais, aos nossos dirigentes e aos chefes tradicionais ou ainda à Natureza, como afirma a maioria dos guerrilheiros sobreviventes dos 24 anos de resistência nas matas de Timor-Leste. E isto é uma prova da existência de uma cultura, de uma comunidade regida por um direito consuetudinário que, ao longo dos séculos, sempre conduziu este povo até à sua libertação final do jugo colonial e tornar-se uma país independente. E vai chegando a madrugada. A passarada começa a chilrear depois da tempestade. As pequenas osgas alegram-se no toke, toke. Os galos despertam todos os quintais. As rolas, aqui e além, compõem a harmonia. Um povo que quer ter direito a ser povo vai despertando para mais um dia de luta. Um povo que quer ser nação, unir-se em torno de uma comunhão pelas coisas que se amam, e pelas quais dezenas, centenas, milhares, centenas de meilhares deram a vida. Leio trabalho de um desses alunos: em Timor-Leste, particularmente nas áreas remotas, ainda reina o sincretismo, não sendo fácil às pessoas distinguirem os princípios de Direito dos da Religião, da moral e do costume. Enquanto em Dili as pessoas se viram cada vez mais para o profano, procurando por todos os meios assimilar conhecimentos dos quais pensam poder dominar a natureza, nas montanhas as pessoas preocupam-se mais com as necessidades imediatas e, quando muito, as de médio prazo, passando os dias e, principalmente, as noites a admirar a natureza, a tentar perceber a saa concatenação com a alma dos ancestrais,e com uma lisan e uma lulik. A sua maior preocupação é o estabelecimento de uma harmonia espiritual, física e mesmo material com a Natureza, pois sabe e está convicto de que nós somos apnas uma ínfima parte do Cosmos.