domingo, outubro 17, 2004

Democracia, o que é?

A expressão democracia surge bastante tarde no vocabulário grego, substituindo a anterior ideia de isonomia, conforme a defesa feita por Heródoto. Se em 468 a.C. é utilizada por Ésquilo, juntando demos e kratos, só em finais do século V, é que, com Tucídedes, entra na linguagem comum.
Se, para o sofista ateniense Protágoras, significa que todos os homens têm capacidade para fazer um juízo político, eis que, a partir do discurso de Péricles, se transforma em aspiração universal, ao assentar nos princípios da igualdade e da maioria, numa altura em que o modelo ateniense ainda era uma democracia mais directa do que representativa, por dominar a metodologia do uso da palavra, com a preponderância do debate oral no processo de formação das decisões e com um efectivo diálogo directo entre os governantes e os governados.
Actualmente, a democracia não é o governo directo do povo, mas o governo de todos através de representantes escolhidos por todos, assentando nos mecanismos da igualdade de direito, da liberdade de expressão e do fair trial. Em termos sintéticos, podemos, pois, dizer que a democracia é o governo do povo, para o povo e pelo povo, de acordo com a regra da maioria, mas tolerando a oposição das minorias.
Tanto exige a participação política da massa popular nas decisões, como impõe que a regra da maioria se submeta ao processo de separação dos poderes e ao regime de controlo do poder, impedindo o esmagamento das minorias. Assenta na liberdade de expressão de pensamento e de associação e tem como fundamentalismo a autonomia e a dignidade da pessoa humana, bem como a noção de indivíduo, tendendo a consagrar, como meta justicialista, a igualdade de oportunidades.
Subscrevemos a definição de democracia de João Paulo II, como aquele sistema que assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade quer de escolher e controlar os próprios governantes, quer de os substituir pacificamente, quando tal se trone oportuno.
Repetimos o que dela disse o sexto presidente norte-americano, John Quincy Adams: a democracia é o autogoverno da comunidade pela vontade conjunta da maioria dos seus membros.
Podemos até caracterizá-la, de acordo com a perspectiva de Robert Dahl, em Democracy and its Critics, de 1989, como uma ordem política que exige sete condições: cargos electivos para o controlo das decisões políticas (elected officials); eleições livres, periódicas e imparciais (free and fair elections); sufrágio universal (inclusive suffrage); direito a ocupar cargos públicos (right to run for office); liberdade de expressão (freedom of expression); existência e protecção, dada por lei, da variedade de fontes de informação (alternative information); direito a constituir associações e organizações autónomas, partidos e grupos de interesse (associational autonomy). 
Sabemos, contudo, que há sempre degenerescência, essa mudança pela qual uma coisa perde as qualidades que tinha na sua origem, desviando-se da sua natureza, abastardando-se e mudando de sentido, pelo que entra em disfunção.
Os clássicos do pensar a polis já salientavam que todo o poder político está sujeito a corromper-se, salientando que movimento da degenerescência é provocado pela desagregação do múltiplo a partir do uno, quando o uno não consegue a harmonia. Quando cada cidade não é uma, mas muitas, como salienta Platão. Quando são pelo menos duas, inimigas uma da outra, uma dos pobres e outra dos ricos. Quando a cidade não consegue aumentar, permanecendo unida. Quando a cidade cresce na multiplicidade e não na unidade e não se alarga como um círculo.