Contrato social, o que é?
A ideia de contrato está na base da nossa civilização. Segundo o direito romano, duorum vel plurium in idem placitum consensus. Para Ahrens, o consentimento declarado de duas ou várias pessoas de querer entrar sobre um objecto de direito numa relação obrigatória. Exige-se um encontro de vontades, através de uma especial formalidade jurídica.
Esta civilização dos contratos está intimamente ligada à ideia do homem como animal de trocas apenas se consolidou quando foi possível o câmbio tanto dentro das cidades como entre cidades, depois de estabelecido um mínimo de segurança de um largo espaço, isto é, quando se saiu do paroquialismo e o ar da cidade começou a libertar.
Nos primórdios do direito, os contratos estavam sob alçada da ordem normativa da religião, dado que o direito apenas se preocupava com o conflito e com a guerra, com as guerras entre particulares e com a violações da propriedade, o que levou Hipódamo a considerar, cinco seculos antes de Cristo, que só havia três motivos para um processo judicial: o insulto, a lesão e o homicídio. Os contratos iniciais em Roma eram assim especialmente formalizados pela religião, existindo uma fórmula sacramental onde não era até possivel a inversão da ordem das palavras nem a substituição de qualquer uma delas pelo seu significado: Spondes mihi dare certum? Spondeo. Surgia assim a sponsio, uma forma solene de promessa apenas vinculativa para os cidadãos. Havia também uma fideipromissio, a promessa feita com a invocação da deusa Fides, admitida para cidadãos e não cidadãos, deusa que tinha a sua sede na palma da mão direita, concluindo-se os negócios com um aperto das destras (dexterarum porrectio). Também o nexum, a forma de realizar um empréstimo, se celebrava por meio do acto per aes et libram, numa referência à balança com que se pesavam as moedas emprestadas, acto que tinha de realizar-se na presença de cinco testemunhas. O devedor, caso não pagasse no prazo ajustado, tinham a obrigação de nexum se dare, de se entregar ao credor como prisioneiro, levando a que o corpo do mesmo e não os seus bens servissem de garantia para o pagamento, dado que o credor podia obrigá-lp a trabalhar em sua casa como escravo, carregado de cadeias. Com efeito, nos primeiros tempo o obligatus era mais um estado de facto do que uma abstracção, era o indivíduo prisioneiro de outro por cadeias, dado não ter satisfeito as respectivas dívidas. Só mais tarde é que se abstractizou quando passou a ser um direito referente a uma coisa imaterial: a vontade de uma pessoa. Por outras palavras, só quando passou a haver interesse social na segurança das transacções é que o direito tratou de exercer a função de controlo da promessa religiosa onde se usavam as palavras sacramentais. Hoje vigora o princípio da liberdade negocial, onde as autoridades impõem determinadas formas, mas não o conteúdo dos contratos, deixados ao livre arbítrio das partes. No nosso Código Civil são previstos os seguintes contratos_ compra e venda, doação, sociedade, locação, parceria pecuária, comodato, múto, contrato de trabalho, prestação de serviço, renda perpétua, renda vitalícia, jogo e aposta, transacção, negócios unilaterais, gestão de negócios e enriquecimento sem causa.
É deste fundamento que deriva a ideia de contrato social. Para Francisco Suárez há um triplo contrato: primeiro, na origem da comunidade, um pacto de associação que transforma o agregado num novo ser moral. O agregado não tinha ordem, nem união física ou moral, pelo que se segue, depois do primeiro pacto, uma união física ou moral que, contudo, ainda não é um corpo político. O pacto da associação resulta assim da intervenção da vontade, do consentimento humano. Até porque um conjunto amorfo de homens ainda não é titular de nenhum poder público.
Segue-se o contrato social que cria a personalidade jurídica, dado que a comunidade tem de existir como universitas, como corporação jurídica, de maneira que o povo possa ser um sujeito capaz de direito e de acção.
Finalmente, surge um contrato político de submisssão ou de senhorio, que designa o regime de governo, bem como os titulares do mesmo.
Nesta senda, temos o nosso jurista da Restauração, João Pinto Ribeiro. Primeiro, os reis juram aos povos guardarem os seus foros, usos e costumes e de os administrarem com justiça. Em segundo lugar, os povos obrigam-se aos Príncipes, jurando obediência e fidelidade. Em terceiro lugar, os povos elegem e criam os reis. Mas se os reis faltam com a obrigação de ofício, os povos podem removê-los.
Segundo as teses de Samuel Pufendorf, numa multidão razoável que se torne uma comunidade política, há sempre um triplo processo contratual. Em primeiro lugar, surge uma convenção, ou pacto (o pactum unionis, contrato de sociedade ou Gesellschaftsvertrag), onde cada um se compromete com todos os outros para que se fique, em conjunto e para sempre, num só corpo, bem como para se regular de comum consentimento, o que diz respeito à conservação e segurança comuns.
Em seguida é necessário estabelecer-se um decreto geral pelo qual se define a forma de governo que pretende estabelecer-se, através do chamado contrato de constituição (Verfassungsvertrag).
Finalmente, numa terceira convenção (o pactum subjectionis, contrato de governo ou Herrschaftsvertrag), escolhem-se as pessoas, às quais se vai conferir o poder de governar a sociedade e são estas que, revestidas de autoridade suprema, se encarregam de vigiar pela segurança e pela utilidade comuns, ao mesmo tempo que as outras lhes prometem obediência, procurando-se desta forma que as forças e as vontades de cada um se submetam ao bem público.
Já em John Locke, o contrato social é perspectivado, não como um facto empírico, como algo que efectivamente aconteceu num certo momento histórico, e, consequentemente, como uma forma de explicar a formação do político, mas antes como um princípio ético-normativo ou ético-politico, como princípio regulativo: aquilo que deu origem a uma sociedade civil e que a estabeleceu não foi senão o consentimento de um certo número de homens livres capazes de serem representados.
Tal consentimento, dito original compact, teria, aliás, dois momentos fundacionais: primeiro, o da constituição da commonwealth, pela liberdade de consentimento, aquilo que qualifica como contract of society; depois, o momento da instituição do fiduciary trust, onde a maioria trata de atribuir o poder a um determinado governo.
Contrariamente ao verticalismo soberanista, que acentua o pactum subjectionis, Locke assume a chamada versão horizontal do contrato social, onde o elemento marcante é o prévio pactum unionis. Aqui já não é o indivíduo que estabelece o governo, mas antes o intermediário da societas, entendida no sentido latino como aliança entre todos os indivíduos membros que depois de estarem mutuamente comprometidos fazem um contrato de governo.
Assim, se o pactum unionis implica a limitação do poder de cada indivíduo deixa intacto o poder da sociedade; a sociedade então estabelece um governo, mas, como dizia John Adams (1735-1826) sobre o firme terreno de um contrato original entre indivíduos independentes (). Esta é uma nova versão da antiga potestas in populo (...) a única forma de governo em que o povo é mantido pela força de promessas mútuas e não por reminiscências históricas ou homogeneidade étnica (como no Estado-nação) ou pelo Leviathan de Hobbes que "intimida a todos" e desta forma une a todos.
Com Kant, o contrato social constitui uma simples ideia da razão, um mero princípio a priori, uma pressuposição lógica e não um facto histórico ou empírico. Aliás, o “contractus originarius” não é o princípio que permite conhecer a origem do Estado, mas como ele deve ser. Mais: o contrato social é a regra e não a origem da Constituição do Estado; não é o princípio da sua fundação, mas o da sua administração e ilumina o ideal da legislação, do governo e da justiça pública. Nestes termos, proclama o contrato social como o contrato originário pelo qual todos os membros do povo (omnes et singuli) limitam a sua liberdade exterior, em ordem a recebê‑la de novo como membros da comunidade, isto é, do povo olhado como Estado (universi).
Na sua base, há um pactum unionis civilis que trata de organizar uma multidão de seres razoáveis e de instaurar um ser comum, o qual constitui uma espécie do imperativo categórico do político. É assim que define direito público, como o conjunto das leis que necessitam de ser proclamadas universalmente para se gerar um estado jurídico. É um sistema de leis para um povo, isto é, uma multiplicidade de homens ou uma multiplicidade de povos que, estando numa relação recíproca de uns para com outros, têm necessidade, para poderem usar do seu direito, de um estado jurídico dependente de uma vontade que os unifica, isto é de uma constituição
Finalmente, para o conservadorismo de Edmund Burke, na base do Estado há uma determinada forma de contrato, um contrato de gerações que faria nascer uma associação (partnership), mas não como um contrato de sociedade sobre a pimenta ou café, os panos ou os tabacos: é completamente diferente do negócio e não pode ser dissolvido pelo arbítrio dos partidos. Daí considerar que cada contrato de um Estado qualquer não é mais do que uma cláusula deste grande contrato primitivo de uma sociedade eterna que liga os indivíduos inferiores aos seres superiores, que une o mundo visível ao mundo invisível por meio de um pacto indeterminado, garantido por um juramento inviolável, e no qual cada ser tem o seu lugar fixo. Esta lei não se submete à vontade humana: ao contrário, os homens, por um dever infinitamente superior, submetem a sua vontade a esta lei. Neste sentido, salienta que a Constituição é the engagement and pact of society pela qual the constituent parts of a State are obliged to hold their public faith with each other.
Esta civilização dos contratos está intimamente ligada à ideia do homem como animal de trocas apenas se consolidou quando foi possível o câmbio tanto dentro das cidades como entre cidades, depois de estabelecido um mínimo de segurança de um largo espaço, isto é, quando se saiu do paroquialismo e o ar da cidade começou a libertar.
Nos primórdios do direito, os contratos estavam sob alçada da ordem normativa da religião, dado que o direito apenas se preocupava com o conflito e com a guerra, com as guerras entre particulares e com a violações da propriedade, o que levou Hipódamo a considerar, cinco seculos antes de Cristo, que só havia três motivos para um processo judicial: o insulto, a lesão e o homicídio. Os contratos iniciais em Roma eram assim especialmente formalizados pela religião, existindo uma fórmula sacramental onde não era até possivel a inversão da ordem das palavras nem a substituição de qualquer uma delas pelo seu significado: Spondes mihi dare certum? Spondeo. Surgia assim a sponsio, uma forma solene de promessa apenas vinculativa para os cidadãos. Havia também uma fideipromissio, a promessa feita com a invocação da deusa Fides, admitida para cidadãos e não cidadãos, deusa que tinha a sua sede na palma da mão direita, concluindo-se os negócios com um aperto das destras (dexterarum porrectio). Também o nexum, a forma de realizar um empréstimo, se celebrava por meio do acto per aes et libram, numa referência à balança com que se pesavam as moedas emprestadas, acto que tinha de realizar-se na presença de cinco testemunhas. O devedor, caso não pagasse no prazo ajustado, tinham a obrigação de nexum se dare, de se entregar ao credor como prisioneiro, levando a que o corpo do mesmo e não os seus bens servissem de garantia para o pagamento, dado que o credor podia obrigá-lp a trabalhar em sua casa como escravo, carregado de cadeias. Com efeito, nos primeiros tempo o obligatus era mais um estado de facto do que uma abstracção, era o indivíduo prisioneiro de outro por cadeias, dado não ter satisfeito as respectivas dívidas. Só mais tarde é que se abstractizou quando passou a ser um direito referente a uma coisa imaterial: a vontade de uma pessoa. Por outras palavras, só quando passou a haver interesse social na segurança das transacções é que o direito tratou de exercer a função de controlo da promessa religiosa onde se usavam as palavras sacramentais. Hoje vigora o princípio da liberdade negocial, onde as autoridades impõem determinadas formas, mas não o conteúdo dos contratos, deixados ao livre arbítrio das partes. No nosso Código Civil são previstos os seguintes contratos_ compra e venda, doação, sociedade, locação, parceria pecuária, comodato, múto, contrato de trabalho, prestação de serviço, renda perpétua, renda vitalícia, jogo e aposta, transacção, negócios unilaterais, gestão de negócios e enriquecimento sem causa.
É deste fundamento que deriva a ideia de contrato social. Para Francisco Suárez há um triplo contrato: primeiro, na origem da comunidade, um pacto de associação que transforma o agregado num novo ser moral. O agregado não tinha ordem, nem união física ou moral, pelo que se segue, depois do primeiro pacto, uma união física ou moral que, contudo, ainda não é um corpo político. O pacto da associação resulta assim da intervenção da vontade, do consentimento humano. Até porque um conjunto amorfo de homens ainda não é titular de nenhum poder público.
Segue-se o contrato social que cria a personalidade jurídica, dado que a comunidade tem de existir como universitas, como corporação jurídica, de maneira que o povo possa ser um sujeito capaz de direito e de acção.
Finalmente, surge um contrato político de submisssão ou de senhorio, que designa o regime de governo, bem como os titulares do mesmo.
Nesta senda, temos o nosso jurista da Restauração, João Pinto Ribeiro. Primeiro, os reis juram aos povos guardarem os seus foros, usos e costumes e de os administrarem com justiça. Em segundo lugar, os povos obrigam-se aos Príncipes, jurando obediência e fidelidade. Em terceiro lugar, os povos elegem e criam os reis. Mas se os reis faltam com a obrigação de ofício, os povos podem removê-los.
Segundo as teses de Samuel Pufendorf, numa multidão razoável que se torne uma comunidade política, há sempre um triplo processo contratual. Em primeiro lugar, surge uma convenção, ou pacto (o pactum unionis, contrato de sociedade ou Gesellschaftsvertrag), onde cada um se compromete com todos os outros para que se fique, em conjunto e para sempre, num só corpo, bem como para se regular de comum consentimento, o que diz respeito à conservação e segurança comuns.
Em seguida é necessário estabelecer-se um decreto geral pelo qual se define a forma de governo que pretende estabelecer-se, através do chamado contrato de constituição (Verfassungsvertrag).
Finalmente, numa terceira convenção (o pactum subjectionis, contrato de governo ou Herrschaftsvertrag), escolhem-se as pessoas, às quais se vai conferir o poder de governar a sociedade e são estas que, revestidas de autoridade suprema, se encarregam de vigiar pela segurança e pela utilidade comuns, ao mesmo tempo que as outras lhes prometem obediência, procurando-se desta forma que as forças e as vontades de cada um se submetam ao bem público.
Já em John Locke, o contrato social é perspectivado, não como um facto empírico, como algo que efectivamente aconteceu num certo momento histórico, e, consequentemente, como uma forma de explicar a formação do político, mas antes como um princípio ético-normativo ou ético-politico, como princípio regulativo: aquilo que deu origem a uma sociedade civil e que a estabeleceu não foi senão o consentimento de um certo número de homens livres capazes de serem representados.
Tal consentimento, dito original compact, teria, aliás, dois momentos fundacionais: primeiro, o da constituição da commonwealth, pela liberdade de consentimento, aquilo que qualifica como contract of society; depois, o momento da instituição do fiduciary trust, onde a maioria trata de atribuir o poder a um determinado governo.
Contrariamente ao verticalismo soberanista, que acentua o pactum subjectionis, Locke assume a chamada versão horizontal do contrato social, onde o elemento marcante é o prévio pactum unionis. Aqui já não é o indivíduo que estabelece o governo, mas antes o intermediário da societas, entendida no sentido latino como aliança entre todos os indivíduos membros que depois de estarem mutuamente comprometidos fazem um contrato de governo.
Assim, se o pactum unionis implica a limitação do poder de cada indivíduo deixa intacto o poder da sociedade; a sociedade então estabelece um governo, mas, como dizia John Adams (1735-1826) sobre o firme terreno de um contrato original entre indivíduos independentes (). Esta é uma nova versão da antiga potestas in populo (...) a única forma de governo em que o povo é mantido pela força de promessas mútuas e não por reminiscências históricas ou homogeneidade étnica (como no Estado-nação) ou pelo Leviathan de Hobbes que "intimida a todos" e desta forma une a todos.
Com Kant, o contrato social constitui uma simples ideia da razão, um mero princípio a priori, uma pressuposição lógica e não um facto histórico ou empírico. Aliás, o “contractus originarius” não é o princípio que permite conhecer a origem do Estado, mas como ele deve ser. Mais: o contrato social é a regra e não a origem da Constituição do Estado; não é o princípio da sua fundação, mas o da sua administração e ilumina o ideal da legislação, do governo e da justiça pública. Nestes termos, proclama o contrato social como o contrato originário pelo qual todos os membros do povo (omnes et singuli) limitam a sua liberdade exterior, em ordem a recebê‑la de novo como membros da comunidade, isto é, do povo olhado como Estado (universi).
Na sua base, há um pactum unionis civilis que trata de organizar uma multidão de seres razoáveis e de instaurar um ser comum, o qual constitui uma espécie do imperativo categórico do político. É assim que define direito público, como o conjunto das leis que necessitam de ser proclamadas universalmente para se gerar um estado jurídico. É um sistema de leis para um povo, isto é, uma multiplicidade de homens ou uma multiplicidade de povos que, estando numa relação recíproca de uns para com outros, têm necessidade, para poderem usar do seu direito, de um estado jurídico dependente de uma vontade que os unifica, isto é de uma constituição
Finalmente, para o conservadorismo de Edmund Burke, na base do Estado há uma determinada forma de contrato, um contrato de gerações que faria nascer uma associação (partnership), mas não como um contrato de sociedade sobre a pimenta ou café, os panos ou os tabacos: é completamente diferente do negócio e não pode ser dissolvido pelo arbítrio dos partidos. Daí considerar que cada contrato de um Estado qualquer não é mais do que uma cláusula deste grande contrato primitivo de uma sociedade eterna que liga os indivíduos inferiores aos seres superiores, que une o mundo visível ao mundo invisível por meio de um pacto indeterminado, garantido por um juramento inviolável, e no qual cada ser tem o seu lugar fixo. Esta lei não se submete à vontade humana: ao contrário, os homens, por um dever infinitamente superior, submetem a sua vontade a esta lei. Neste sentido, salienta que a Constituição é the engagement and pact of society pela qual the constituent parts of a State are obliged to hold their public faith with each other.
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