domingo, outubro 17, 2004

Tirania, o que é?

Uma das degenerescências da política, onde a autoridade, desligando-se do consentimento e da confiança da comunidade, transforma a auctoritas em simples potestas. Os modelos autoritaristas, comparativamente aos totalitários,  preferem as proibições, os non facere, aos comando, o quadro rigoroso de facere. O autoritarismo quer cidadãos passivos que obedeçam, em vez de cidadãos activos que apoiem. Quer que os opositores não façam a revolução contra o que estão, enquanto o totalitarismo pretende fazer de todos os súbditos militantes da construção revolucionária que o poder estabelece. O autoritarismo propõe, o autoritarismo impõe. O autoritarismo prefere que os cidadãos, mesmo os apoiantes, sejam silenciosos. O totalitarismo deseja que todos emitam uma opinião favorável. Se o autoritarismo diz quem não está contra mim, está a favor de mim, já o totalitarismo assume o quem não está a favor de mim, está contra mim.
A tirania é aquela forma de governo que não procura o consentimento nem a persuasão, mas a opressão e a violência, como já dizia Platão. Trata-se de um modelo que segue algumas das ideias de Xenofonte, o admirador de Esparta, que concebia, para Atenas, um governo militar.
Tal como considera que a lei injusta não é propriamente lei,  assim visiona o tirano como o sedicioso, pelo que a luta contra aquele que utiliza o poder no seu próprio interesse e não ao serviço do bem comum não é sedição e a resistência à tirania é legítima. Salvo se de tal resistência resultar maior dano que a tirania ou se a tirania for considerada como justo castigo dos pecados cometidos pelo povo. Mas a resitência é prerrogativa da comunidade que só através dos seus representantes qualificados pode cometer o tiranicídio, nunca podendo os particulares matar o tirano por sus própria iniciativa ( teses contrárias à de João de Salisbúria e de Juan Mariana (sec. XVI)
Locke define a tirania como o exercício do Poder para além do Direito, onde o uso do poder não é para o bem dos que lhe estão submetidos, mas para as vantagens privadas de quem o exerce. A vontade do detentor do poder passa a regra e os comandos e acções do mesmo não são dirigidas para a presrevação das propriedades do respectivo povo, mas para a satisfação das paixões desse detentor. A tirania não afecta apenas a monarquia, mas qualquer outra forma de governo. Assim, onde o direito termina, a tirania começa.
Entre nós, Fernando Pessoa, em Cinco Diálogos sobre a Tirania, refere-a como o exercício de força; de força para obrigar alguém a fazer ou não fazer qualquer cousa; que é exercida em virtude de um princípio exterior ao individualismo tiranisado; que esse princípio não é por ele aceite; e que da aplicação desse princípio nenhum benefício, mediato ou imediato, para ele resulta.
Para Hannah Arendt, na tirania, o poder é destruído pela violência, onde a violência de um destrói o poder de muitos, gerando-se um Estado em que não existe comunicação entre os cidadãos e onde cada homem pensa apenas os seus próprios pensamentos e levando ao banimento dos cidadãos do domínio público, para a intimidades das suas próprias casas, exigindo-lhes que se ocupem apenas dos assuntos privados. Assim, a tirania privou as pessoas da felicidade pública, embora não necessariamente do bem-estar privado.